segunda-feira, 20 de agosto de 2012

MODELO MINNESOTA

Antes de vos escrever sobre o Modelo Minnesota propriamente dito, é importante algumas ideias sobre o que se passava antes do aparecimento deste modelo.
O álcool, ao longo dos tempos, sempre fez parte da vida social, religiosa e política. Desde os tempos da Babilónia, onde o acto de beber era um “presente dos Deuses” e utilizado nos rituais religiosos, passando pelos Egípcios com os “segredos divinos” trazidos pelo Deus Isis, não esquecendo os Hebreus, Gregos e Romanos com a sua popular bebida, o Vinho. A própria Bíblia faz referência ao álcool e este sempre acompanhou as actividades humanas de grande escala, como a Guerra. Também de referir a descoberta de como destilar o álcool, assim como o desenvolvimento das colónias americanas.

Por volta de 1784, o Dr. Benjamin Rush torna-se o primeiro Americano a pronunciar problemas alcoólicos como doença, fazendo referência a uma doença progressiva, identificando diferentes fases. Inicialmente, Rush não condenava o consumo de cerveja ou vinho. Referia que, consumidos em quantidades moderadas, promoviam saúde, mas rapidamente identificou que o caminho certo seria sempre o da abstinência total. Anos mais tarde, começam a surgir relatos de grupos de alcoólicos que afirmavam “sentirem-se bem” quando falavam com outros alcoólicos e sobre o impacto que o álcool tinha nas suas vidas. Começam, de igual modo, a nascer os grupos fundados por alcoólicos que ajudavam outros alcoólicos, como o “Washingtonian Temperance Society” (1840) e o “Women´s Christian Temperance Union”(1874).

Até 1930 os americanos ignoravam os problemas do alcoolismo, estando mais focados na Grande Depressão e na 2ª Guerra Mundial. Estes eram fechados em hospitais juntamente com doentes mentais, eram presos ou eram ignorados, sendo o problema do alcoolismo negado e considerado como uma fraqueza ou doença moral. 

Em 1935, surgem dois nomes bastante importantes para o desenvolvimento do tratamento do alcoolismo, assim como para o Modelo Minnesota: Bill Wilson e Bob Smith, fundadores dos Alcoólicos Anónimos (AA).

Anos mais tarde, entre 1940 e 1950, começam, no Estado de Minnesota, nos E.U.A., algumas experiências para tratamento do alcoolismo. Estas surgiram em 3 centros: Pionner House, Hazelden e Willmar State Hospital. Este acontecimento foi como que uma revolta contra a cultura e ideias da época de como os alcoólicos deveriam ser tratados, como referido anteriormente, e a sua filosofia assentava toda nos princípios dos AA.

Estes, de uma forma geral, são os seguintes: 1) Ser Honesto – todas as pessoas beneficiam com este princípio, apesar de haver uma tendência universal em se negar o que é desagradável, em evitar falar nos factos negativos, exagerando-se nas forças e minimizando as limitações; 2) Juntar-se aos Outros – quando se quer fazer mudanças longas no comportamento, deve-se juntar a outras pessoas que tenham esse mesmo objectivo. Admitir as dificuldades e admitir ser necessário a ajuda mútua, poderá transformar limitações em forças; 3) Virar-se para um Poder Superior – acreditar em algo superior que possa ajudar; 4) “Limpar a Casa” – Contar a verdade aos outros. O que fizeram devido ao alcoolismo e depois reparar os danos provocados aos outros. 5) Ficar em forma - As pessoas em recuperação (deixar de beber e adquirir um estilo de vida saudável) necessitam de ficar em forma física, social, emocional e espiritualmente. Importante, também, fazer meditações, rezar e exercícios que renovem os antigos hábitos de pensar; 6) Ajudar o Outro – Para as pessoas em recuperação o receber é inseparável do dar. Inicialmente, é necessário receber; mais tarde, é importante dar. Apenas dando aos outros se consegue manter o que se tem.

Torna-se, pois, importante caracterizar cada um destes 3 centros.
O Pionner House foi o 1º centro de tratamento no Minnesota. Patrick Cronin, a 1ª pessoa reconhecida a ganhar sobriedade através dos AA, deparou-se com o facto de não haver reuniões na sua cidade. Assim, tentou criar um pequeno grupo de auto-ajuda num apartamento em Minneapolis. Contudo, e devido às ideias e cultura que, ainda, estavam definidas na época, a população de Minneapolis, não aceitou muito bem este facto, o que não permitiu a criação deste grupo.  Porém, e convicto de que era necessário continuar com o programa de AA, de modo a ser ajudado e de ajudar os outros, Cronin conseguiu um espaço, em 1948, para receber reuniões de AA, assim como pessoas que necessitavam de ajuda. Este foi chamado de “Pionner House”, onde cada residente recebia uma cópia do “Big Book” – o texto básico dos AA – e outros materiais de literatura dos AA, como os “12 Passos” e as “12 Tradições”.
Os “12 Passos” foram a base do tratamento em Pionner House, onde Cronin, responsável pelo centro, se focava mais nos Passos 4 e 5, que referem “os inventários pessoais” e a sua partilha a uma outra pessoa.
Pionner House, hoje um centro que oferece ajuda a adolescentes com problemas de dependência química (DQ), será sempre lembrado como o primeiro centro baseado na filosofia de AA, no Minnesota, que ajudava os alcoólicos das ruas de Minneapolis.

O centro Hazelden é, por sua vez, associado a Richard Coyle Lilly, igualmente alcoólico. Em 1947 comprou terrenos perto de Center City, em Minnesota que, posteriormente, vendeu a um grupo de empresários que queriam construir um centro de tratamento para alcoólicos. Inicialmente, foi um centro apenas para empresários alcoólicos que, também, seguia a filosofia de AA, em 1948.
Hazelden tinha 4 expectativas para os seus pacientes: os pacientes deveriam praticar comportamentos de responsabilidade, assistir a palestras sobre os 12 Passos, envolverem-se com outros pacientes e fazer as suas camas. Outra inovação foi a integração de um conselheiro (alcoólico em recuperação e pessoa habilitada no tratamento de dependências) como residente do centro.
Por outro lado, Hazelden criou o “Fellowship Club”, um “Half-way”, centro que permitiria aos pacientes que acabassem o tratamento primário de continuar a ter ajuda e trabalhar a sua reinserção, já que muitos pacientes não tinham trabalho nem casa. De igual forma, criou o “Dia Linn”, um centro para mulheres, em 1956.

Relativamente ao “Willmar Hospital”, este recebia alcoólicos e doentes mentais e não fazia diferenciação destes dois tipos, ou seja, fazia desintoxicações e encaminhava os alcoólicos para junto dos doentes mentais.
Quando Nelson Bradley, um médico, chegou para responsável do hospital, levou Daniel Anderson para director Este decidiu alterar e implementar um conjunto de situações. Passou a separar os alcoólicos dos doentes mentais, introduziu uma política de porta aberta e introduziu alcoólicos em recuperação como conselheiros. Com isto, foi criado um novo movimento, em 1954, de Aconselhamento no Alcoolismo. Assim, membros de AA juntaram-se a psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais no tratamento do alcoolismo e de outras drogas.

O programa de Willmar foi o primeiro a desenvolver uma abordagem multidisciplinar, cujo resultado foi uma combinação de Psicologia Clínica, Medicina e práticas de AA que se começou a chamar de Modelo Minnesota. Introduziu, também, uma série de novas ideias revolucionárias para a época: 1) O alcoolismo existe: as pessoas tinham dúvidas sobre a existência do alcoolismo e não queriam olhar nem acreditar para as suas consequências e poder. Anderson combateu esta ideia com factos e sinais de que, de facto, o alcoolismo existia;  2) O alcoolismo é uma doença: as ideias da época relatavam que com “força de vontade” se poderia deixar de beber. Anderson introduziu conceitos de que o alcoólico estava impossibilitado de parar de beber e demonstrava perda de controlo relativamente à bebida; 3) O alcoólico não tem culpa de ser alcoólico: anteriormente, havia a ideia da questão da fraqueza moral. Só bebia quem era “fraco” moralmente; 4) O alcoolismo é uma doença multifacetada: começou-se a tratar os pacientes de forma holística: física (consequências físicas do abuso do álcool), emocional (os ressentimentos, os medos e arrependimentos que levavam ao isolamento e à negação/esconder as consequências) e espiritualmente (acreditar que sozinhos não conseguem parar de beber); 5) O alcoolismo é crónico e primário: levou os técnicos a tratar 1º o alcoolismo e não questões emocionais. Por outro lado, abandonou-se a ideia de curar e iniciou-se um tratamento com o objectivo de ensinar os pacientes a viverem com a sua doença de forma totalmente abstinente; 6) A motivação inicial no tratamento não influência o sucesso do mesmo; 7) A informação sobre o alcoolismo deve começar na comunidade.

Willmar foi, de igual modo, o primeiro centro a admitir pessoas com dependências de outras substâncias e Daniel Anderson introduziu o termo de “dependência química”. Surgiu, também o termo “adicções cruzadas”, isto é, uma pessoa adicta a uma substância pode ser vulnerável a desenvolver dependências a outras substâncias.  Neste sentido, os profissionais concluiram que os alcoólicos e outros adictos podiam ter sucesso no tratamento se tratados em conjunto. Todos estes conceitos trouxeram a ideia de tratar em vez de curar. Desenvolveu-se o aparecimento do “Só por Hoje”, de forma a ajudar os pacientes a lidarem com o facto de viverem a abstinência dia-a-dia e não para toda a vida.

Com este conjunto de questões, Anderson e os seus colegas, depararam-se com um problema: o que fazer com os pacientes durante o dia? A solução passava por duas dimensões: a primeira, criar um ambiente de tratamento que fosse todo ele terapêutico, isto é, tudo o que os doentes fizessem deveria permitir alcançar mudanças na forma de pensar, sentir e agir; os pacientes deveriam ajudarem-se uns aos outros. 

Deste modo, através de conversas supervisionadas por profissionais, os pacientes podiam partilhar as suas histórias e o que tinham em comum: a vida destruída pelas drogas e álcool. Neste sentido, desenvolve-se o conceito de “identificação”: “eu não estou sozinho”, “o que me aconteceu está a acontecer com outras pessoas”. Para tornar o ambiente ainda mais poderoso, mais intensivo e com maior interacção entre os pacientes, Anderson retirou os alcoólicos das instituições mentais, criando uma área de tratamento diferente. 

Foi, de igual modo, ultrapassada a barreira entre os profissionais e pacientes que se começaram a tratar por tu, proporcionando mais confiança e auto-revelação; estes começaram a participar em pequenas sessões de grupo que se focavam em objectivos específicos de recuperação: lidar com ressentimentos, fazer reparações de danos causados, por exemplo. Desenvolveu-se a importância das palestras sobre sinais e sintomas do alcoolismo e a ideia de que ao ajudar os outros, está-se a ajudar a si próprio. Por outro lado, aparecem as sessões de terapia individual.
Os pacientes começam a fazer tarefas diárias, como trabalhos na biblioteca, lavandaria, cozinha, manutenção da casa. Modificou-se o tempo de tratamento, que ao invés de ser meses e anos, começou a ser de curta duração, focando-se em mudanças de comportamento no imediato e não em procurar e curar as causas do alcoolismo.

Com todas estas mudanças, que nada tinham de novo (vinham da Medicina, Psicologia e Psiquiatria, mas foram adaptadas e trabalhadas de forma diferente), o Modelo teve dois grandes objectivos: ensinar o paciente a desaprender o estilo de vida auto-destrutivo e promover a abstinência de todas as substâncias. Por outro lado, apresentou 3 principais perspectivas: tratar os pacientes com DQ (em vez de os ignorar, julgar ou colocar em hospitais mentais), tratá-los com dignidade (a mensagem de que era essencial tratá-los com respeito) e tratá-los de forma holística (físico, mente e espírito). 

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