Há alguns dias,
respondi a um questionário realizado por um grupo de alunos de Psicologia de
uma escola do Algarve. A última questão era relacionada com as dificuldades
maiores que, enquanto profissional de um Centro de Tratamento para Alcoólicos e
Dependentes Químicos, sentia trabalhando, directamente, com os Pacientes.
Lembro-me que a resposta foi longa, já que essas dificuldades são
variadíssimas. Hoje, irei escrever sobre, provavelmente, a maior dificuldade:
Mecanismos de Defesa (MD) dos Pacientes.
A tendência é universal:
todos os seres humanos tentam evitar falar, sentir e pensar sobre situações
desagradáveis das suas vidas. Os MD são comportamentos que os pacientes
utilizam para reagir às próprias realidades negativas, realidades
desagradáveis. Pessoalmente, entendo que a Negação é o principal MD e, enquanto
não for trabalhado, eliminado, potencializa um conjunto de comportamentos que
irei, de seguida, indicar e descrever.
- Culpar os outros
– Os pacientes tendem, por vezes, e mais numa fase inicial do tratamento, em
culpar os outros pelos seus consumos ou pelos seus comportamentos, isto é,
tentam colocar o centro dos problemas nos outros, em vez neles próprios:
“Comecei a consumir porque a minha mulher era uma chata”; “Fui fazer noitadas
porque os meus pais tentam controlar-me em demasia”; “ Se o meu filho não fosse
tão agressivo eu não lhe batia”.
- Desculpas
– Arranjar desculpas para os seus comportamentos: “Eu só bebo quando me sinto
deprimido, triste, sem vontade para fazer nada”; “Eu bebo porque estou a passar
uma fase complicada lá no trabalho”; “Hoje vou fazer noitada porque tenho uma
festa de anos”.
- Mentiras
– Muitas vezes, os pacientes confundem, distorcem e omitem situações da sua
vida, para não “olharem” para a sua realidade. Tentam desviar a atenção do real
comportamento problemático.
- Ridicularizar
– Este MD é bastante utilizado em dinâmicas de Grupo. Alguns pacientes colocam
os outros “em baixo”, através de observações menos próprias e correctas.
Fazem-no, principalmente, quando estão a ser o foco da atenção e com o
objectivo de, precisamente, o desviarem.
- Optimismo exagerado
– Quando os pacientes ultrapassam o fenómeno das ressacas físicas, muitas
vezes, apresentam uma motivação alta para abandonarem o tratamento: “Bem, agora
já estou melhor e consigo permanecer sóbrio, sozinho e sem a ajuda de ninguém”.
- Ser especial e
diferente – Uma forma negativa de arranjar desculpas para
não continuar em tratamento e, por sua vez, continuar em adicção activa:
“Ninguém se importa comigo”; “Nunca irei conseguir entrar em Recuperação”;
“Ninguém me consegue compreender”; “Como é que podem compreender a minha
situação!?”.
- Minimizar –
Os pacientes tendem a minimizar certos comportamentos e suas consequências: “Só
bebi 5 cervejas”; “Nunca bati na minha namorada, fui só agressivo verbalmente”;
“Apenas bati uma vez à minha Mãe, e foi só uma chapada, não foi nada”.
- Generalizar
– Não ser específico é uma forma de evitar de falar da sua realidade, assim
como das consequências negativas do seu comportamento. O uso exagerado de
“talvez”, “de vez em quando”, “acho que sim, mas”, “não sei”.
-
Hostilidade/agressividade – quando confrontados, tendem a
intimidar e assustar os outros (pacientes ou elementos da Equipa Terapêutica).
- Vitimização -
Fazer-se, sistematicamente, de vítima: “Eu tive pais alcoólicos e é por isso
que bebo”; “Não tenho ninguém”; “Não sou tão feliz como tu”; “Os meus pais
batiam-me”. A tendência de se compararem com os que têm mais e nunca com os que
têm menos.
- Jogos de Poder
– Em tratamento, organizar subgrupos de forma a poder controlar o apoio para
diferentes situações (quando confrontados com quebra de regras, receberem o
apoio desse mesmo subgrupo).
- Segredos e mente
aberta – Não permitir dar-se a conhecer. Não falar das
suas dificuldades, sentimentos e pensamentos. Ter segredos e ocultá-los. Não
pedir ajuda para as suas reais dificuldades.
- Grandiosidade
- Falsa sensação de poder, de forma a manter os outros afastados, através da
arrogância, situações de desafio, agressividade, impulsividade. É também
frequente a valorização dos consumos: “ninguém consome mais do que eu”; “Eu
aguento muito mais do que tu”; “Ninguém manda em mim e me diz o que fazer”;
“Mas quem és tu para me dizeres isso?”.
Racionalizar
– encontrar justificações para os seus comportamentos e consumos; desculpas
atrás de desculpas.
Passividade
– Permanecer numa atitude confortável, para não “se chatear” com algo que o
está a incomodar.
Inventários
– O uso deste MD apenas é negativo quando influência o paciente na sua relação
com o próximo, seja membro do Grupo ou da Equipa Terapêutica, já que é quase
uma tendência universal: “Ainda não conheço aquele Terapeuta, mas tem cara de
mau e não quero falar com ele”; “Aquele ali, não interessa a ninguém, é muito
velho para me poder ajudar”.
Todos estes
comportamentos acontecem quer durante o tratamento, quer durante a adicção
activa de um dependente químico ou alcoólico. São altamente destrutivos para
ele e para os outros, impedindo que se possa alterar comportamentos que
originam consequências bastante graves. O factor positivo é que, realmente, são
todos trabalhados e modificados.
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