terça-feira, 16 de outubro de 2012

A DOENÇA DA FAMÍLIA



Ao longo dos anos, a pesquisa tem demonstrado que a família é uma das áreas mais esquecidas, em termos de ajuda, no tratamento das doenças adictivas.
Todos, sem excepção, são atingidos, quer física, quer emocionalmente por todos os problemas do adicto.
Os membros da família deixam-se envolver no problema da adicção, da mesma forma que uma família com outros tipos de problemas se envolve. Como é, por exemplo, para uma família cujo membro sofra de um avc, doença mental, problema cardíaco ou problemas físicos que impeçam a pessoa de funcionar adequadamente?

Na doença da adicção, cada adicto tem um forte impacto na vida de várias pessoas, sendo que todas elas influenciam o adicto, assim como todo o seu processo.
Na maior parte dos casos, quando a família pede ajuda para lidar com os problemas da adicção, esta está já fora de controlo. A família sente-se bloqueada, e incapaz de deter toda a desgovernabilidade que é evidente, sentindo-se, também, culpada e responsável pelo comportamento do adicto. 

Uma das principais razões que permite a progressão das adicções é o facto de os familiares negarem o que é evidente. 


 

A negação é um de vários comportamentos da família durante o processo da adicção. Estes comportamentos ou fases podem ser avaliados em termos individuais, mas por certo que existem muitas semelhanças no contexto mais geral:

1.     Negação/justificação – perante um primeiro indício que se está perante uma situação problemática, a família não aceita o problema encontrando justificações banais: “foi só para experimentar”, “vamos esquecer”, “não é nada de importante, foi apenas uma vez”, “não é possível, pois ele nunca usou drogas”, “foi festa de anos, passagem de ano”.

2.    Também perante situações evidentes, a família pode começar a culpar os outros pelos consumos e comportamentos do adicto, começando a protege-lo de forma obsessiva. Também se inicia conflitos entre os familiares, já que se culpam uns aos outros: a mãe culpa o pai porque é demasiado severo com ele ou porque nunca está em casa; o pai culpa a mãe porque lhe faz as vontades todas, dá-lhe dinheiro ou porque nunca lhe disse nada antes; também podem culpar os amigos ou os irmãos.

3.    Quando o problema é mais que evidente, sendo impossível esconder, negar ou culpar os outros, impera a regra ou lei do silêncio. Evita-se falar sobre o assunto devido ao medo e às preocupações das consequências ou reacções do adicto que o possam levar a voltar a consumir ou beber; não há diálogo, sendo mais confortável não se falar do que se está a ver ou ouvir. Por outro lado, há grande tensão entre os familiares. De igual modo, mudança de comportamento, ou seja, a família torna-se arrogante e agressiva para com o adicto.

4.    Pensando que se está a ajudar o adicto a lidar com as suas ansiedades, medos e vontade se consumir, dá-se dinheiro, compra-se drogas, consome-se ou bebe-se com o adicto. Também se encobre os problemas resultantes dos comportamentos dele, mentindo ou assumindo as culpas. Há uma total mudança de personalidade. Tudo por promessas ou compromissos que não se cumprem, o que origina raiva, ressentimento e sentimentos de culpa, mas que, claramente, não representa uma melhor posição, pois apenas se facilita a progressão da adicção activa do doente.

5.    A família começa a evitar sair de casa e de conviver com amigos ou outros familiares para não enfrentarem o problema. (isolamento). Há um sentimento de que são as únicas que têm este problema. O familiar vive em função do dependente químico. Começa-se a centrar toda a atenção no adicto, fazendo tentativas de controlar e corrigir a vida dele.


6.    Devido à mudança do estilo de vida, podem surgir problemas de saúde (ansiedade, estados depressivos), problemas no trabalho, problemas relacionais.

7.    Para evitar reconhecer todos os problemas e situações de desgovernabilidade e deterioração física e mental, a família pode fugir para realidades adversas como o trabalho compulsivo, os negócios ou outros interesses, apesar do medo e da desconfiança aumentarem à medida que se esgotam todas as desculpas para os consumos do adicto.

8.    Quando se esgotam todas as tentativas de controlar e ajudar o adicto, quando se aceita o facto de que a vida está progressivamente a ser afectada, que as relações, o trabalho, a condição emocional e física estão destruídas, toma-se consciência do poder que a doença da adicção tem sobre o adicto e sobre todos os familiares, admite-se o problema e a necessidade de ajuda

9.    Depois é o acreditar que é possível encontrar ajuda, que sozinho não se é possível lidar com a doença da adicção e que se o adicto não quiser ajuda, a própria família não necessita de se afundar com ele e, deverá procurar ajuda para si. Deste modo, os grupos de ajuda mútua, ou seja, os Al-Anon (AA) e as Famílias Anónimas (NA), são um espaço seguro e confortável.




Neste campo, há algumas dificuldades e relutância por parte das famílias, como é o caso das dificuldades em falar de sentimentos frente a outras pessoas (Culturalmente, mais nos Homens do que nas Mulheres).
Por outro lado, quando os familiares vão às reuniões, acreditam que podem aprender a curar o seu adicto, em vez de aprender diferentes formas de lidar com o comportamento do adicto (deixar de facilitar a dependência do adicto).

Inicialmente, torna-se importante apenas ouvir, sendo isso o que a família precisa, para começar a sentir que a sua história e experiência é igual ao que se ouve. Depois, o necessário é o familiar falar de si mesmo, deixando de olhar para o adicto, de falar sobre ele, de o culpar, etc. 

Torna-se, igualmente, importante pôr a recuperação emocional em primeiro lugar e começar a pensar de forma positiva em cuidar de si própria. Não deixar de fazer coisas por causa do adicto, arranjar tempo para si e não apenas para o adicto, olhar para os danos que fez a ele próprio ou a outros familiares com os comportamentos que teve. 

Mudar de atitude porque as anteriores não resultaram, é outro dos passos mais importantes a tomar: compreender a diferença entre o curar e intervir sobre a doença; parar de ajudar o adicto; praticar amor firme; intervenção jurídica; tomar a iniciativa.
Mais especificamente às crianças, e quando estas são apanhadas pela doença da adicção, torna-se necessário:

1.     Dizer a verdade – ser honesto com os filhos. É muito melhor para os familiares e para eles do que verem a doença e o comportamento do adicto como tabus. Devido às mentiras, promessas não cumpridas, às desilusões, é importante que as crianças sintam que a culpa não é delas, mas sim porque o pai ou mãe têm uma doença;
2.    Aceitar os sentimentos delas relativamente à mãe ou pai;
3.    Encontrar ajuda para as crianças;
4.    Educá-las;
5.    Impor limites;
6.    Atenção aos seus comportamentos.

Infelizmente, a doença da adicção como uma doença da família, também influencia todo o processo terapêutico, no momento do tratamento de um adicto.

Alguns exemplos:

1.     Em programas familiares, grande dificuldade em falarem de si, sempre focadas no adicto, encontrando-se a resistir ao processo de mudança (continuar com atitudes antigas). Não são específicos, divagam, usam o silêncio, são falsas, quer a falar de sentimentos, quer a falar de como sentem o familiar;
2.    Há a quebra de regras, através dos telefonemas, dos horários das visitas, do que trazem nas visitas;
3.    Questionam as decisões da equipa, podem culpar a equipa e compactuar com os comportamentos dos pacientes em tratamento (guardam informações importantes ou segredos). São várias as vezes que querem tratamento especial;
4.    Facilitam e fazem as "vontades todas" ao paciente, mesmo contra sugestões da Equipa Terapêutica.









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